Parece fácil de responder, mas não é.
No último dia 13, o técnico da seleção espanhola, Vicente Del Bosque, abriu margem a essa necessária discussão. Em entrevista, ele informou que estuda proibir o uso de redes sociais por seus jogadores durante todo o período da Eurocopa – o que não é exatamente uma novidade no mundo esportivo, mas que ganhou notoriedade por conta do “pivô” dessa declaração: o “top trending user” do Twitter, Gerard Piqué.
Afinal, Del Bosque pode ou não pode proibir Piqué e os outros jogadores de acessarem suas redes sociais?
Isso pode, Arnaldo? Para matéria do Globo Esporte, pode sim!
O caso Piqué
O zagueiro do Barcelona já é conhecido no Twitter por seus comentários ácidos e provocativos. Atualmente, ele é tema de investigação da Comissão de Antiviolência, que atua no futebol espanhol, por incitar a rivalidade entre os times e os torcedores na rede.
Os comentários são polêmicos e costumam levantar discussões (veja um exemplo mais abaixo). Para o técnico da seleção, “é preciso saber utilizar as redes sociais, ou não serão utilizadas”. Saber usar, nesse caso, parece ser não provocar o público espanhol. Mas por que um técnico pode ter o poder de decidir o que o jogador irá ou não postar em sua rede social pessoal? E se fosse o seu chefe?
O que diz a lei
Segundo a advogada especialista em Direito Digital, Patricia Peck Pinheiro, em artigo, as empresas têm como obrigação proteger e preservar seus ativos, inclusive os intangíveis, como a reputação e o conhecimento. Por esse motivo, segundo ela, é direito das empresas vigiar as informações publicadas a seu respeito nas redes sociais, seja em associação direta ou através de seus colaboradores.
Porém, ainda de acordo com a advogada, para poder punir uma situação de má conduta na web, a empresa precisa, antes, ter publicado claramente as regras de postura para seus colaboradores. “No caso, devem-se recomendar posturas gerais, aplicáveis seja no trabalho, seja na vida pessoal, já que é muito difícil delimitar claramente quando a pessoa está agindo em caráter pessoal e particular e quando está falando em nome da empresa, cargo e função”. Esse documento, segundo ela, pode ter validade jurídica.
Vigiar e punir
É cada vez maior o número de empresas que vigiam seus funcionários na web, segundo publicação da revista Você S/A. Mas o que elas querem mesmo saber pouco tem a ver com o trabalho. “O que conta mesmo são o posicionamento religioso e político, o vínculo com torcidas organizadas, a presença de fotos com conteúdo constrangedor e as manifestações de intolerância e preconceito. Até as curtidas no Facebook não passam despercebidas”, afirma a matéria sobre o resultado de uma pesquisa realizada com 623 executivos de RH de 577 empresas brasileiras, de vários tamanhos e setores. As consequências desse conteúdo levantado pelo RH vão desde contratações, promoções e até demissões.
Proibir o uso de redes sociais é aceitável ou legal?
O caso Piqué é um pouco mais complicado de avaliar por conta de contratos específicos entre o jogador, seu clube – o Barcelona – e a Seleção Espanhola. Para as leis brasileiras, o trabalhador contratado pode até ser demitido por justa causa, caso utilize as redes sociais durante o horário acordado para o trabalho – é o que afirma Gleibe Pretti, autor do livro “O novo aviso prévio”, em entrevista.
Mas não há restrições claras quando o assunto é o conteúdo publicado fora do período de expediente. Cada caso é um caso, já que algumas empresas possuem documentações formais sobre o uso de sua imagem, e outras não. A advogada Patricia Peck recomenda, inclusive, que o funcionário evite publicar seu horário de trabalho, seu trajeto ou outras rotinas do dia a dia. Orientar membros da família a não publicarem informações sobre seu trabalho também entram na lista de indicações para o funcionário.
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Publicação de @3GerrardPique, no Twitter. Quando o conteúdo tem a ver com os interesses do contratante, pode ser penalizado!
E a sua liberdade de expressão?
Esse é um ponto interessante. Lembra daquela máxima que diz que “seu direito termina onde começa o direito do outro”? Pois é, seu direito de expressão termina onde começa o direito da sua empresa contratante de zelar pela própria reputação. A metáfora do “vestir a camisa” é a melhor representação disso. Se você não for capaz de se adaptar aos padrões da empresa, fica difícil “fazer parte” dela.
A questão que podemos debater aqui é: com a dinâmica atual do mercado de trabalho, no qual as relações são cada vez mais fluidas e instáveis, ainda faz sentido que os funcionários estejam tão submissos ao “zelo pela reputação” do local onde trabalham? É aceitável calar Gerard Piqué para que seu técnico “não tenha com o que se preocupar”? O que você acha de não poder tecer comentários sobre o seu mercado de trabalho, se a sua opinião divergir das diretrizes do seu local de trabalho?
Fonte: digai